Solidariedade...
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Nosso
tempo é marcado por ausência dessa virtude, solidariedade. Podemos falar sobre
solidariedade do ponto de vista conceitual (o que não é meu objetivo aqui) ou
de uma forma mais ampla, abrangente e atual, que é minha proposta.
Identifiquei
a palavra dentro da história como sendo provinda do século XX, quando ela foi
raiz de um movimento que criou um partido político, e que esse, deu a grande
reviravolta na história Polonesa do final do século. O partido se chamava
justamente “solidariedade”. Gostei também da definição do Aurélio – “Solidariedade é sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos
interesses e as responsabilidades de um grupo social, de uma nação, ou da
própria humanidade”.Onde vemos esse compromisso no nosso tempo?
Aristóteles dizia que todo homem é um ser político, da pólis. Assim, a cidadania seria essa solidariedade, seria isso
que une os cidadãos ao destino da comunidade, do grupo, da nação, do mundo.
Cidadania não é reivindicação de direitos, mas acima de tudo, aceitar os
deveres. Por exemplo, a falta de água é um dos problemas mais terríveis que a
humanidade enfrentará. É possível conscientizar as pessoas de pouparem água?
Teilhard de Chardin já falava em amor
efetivo e amor afetivo. O afetivo é a saudade, o gostar, a paixão. Mas o
efetivo é fazer a feira pro outro quando ele não pode, ir visitá-lo no
hospital, o “beaba” da caridade
cristã que poucos fazem. O hospital é um lugar amedrontador, as pessoas não vão
por medo mesmo. Depois ainda ligam e dizem: “puxa, eu queria ter ido te
visitar, mas não tive tempo”. Está comprovado que os regimes capitalistas, as
estatais, o socialismo não conseguiram resolver o problema da justiça social.
As instituições de cooperativismo (solidariedade na economia do país) se
tornaram um antro de corrupção e roubalheira. Muitas são fachadas para empresas
que não querem ter responsabilidades fiscais. A tecnologia faz tudo para
isolar. As pessoas andam na rua com um diskman
pra não ouvir as pessoas. Andam de diskman
pra não ter que cumprimentar alguém. Muita gente não conhece nem o próprio
vizinho de porta. O dia inteiro a gente ouve que temos que tomar cuidado, tomar
cuidado, tomar cuidado e esquecer do outro, esquecer do outro, esquecer do
outro. Nossa sociedade consumista, hedonista e narcista é essa que estou
falando aqui. É claro que ainda existem movimentos de solidariedade que
infelizmente, atingem a poucos. Estão incrustados a pequenos grupos. Os
movimentos solidários atingem a poucos. Por isso que talvez, a solidariedade
não seja uma virtude do nosso tempo. Talvez ela não exista mais em nossos dias.
Confúcio dizia que: “só homens virtuosos
são competentes para amar”. A solidariedade talvez seja maior manifestação
de amor. A frase não é sobre solidariedade, mas sobre virtudes, de modo geral.
A ira, por exemplo, tem suas raízes no desamor, a solidariedade no amor ao
próximo, o que me parece raro hoje em dia. Podemos pensar que a
alternativa seja abandonar a idéia. Mas solidariedade não é uma opção, é uma
necessidade. Nenhum país do mundo hoje pode se dar ao luxo de se isolar da
globalização. Precisamos da força da colaboração. Muito mais do que a definição
do Aurélio, solidariedade é disponibilidade
para o outro, a comunhão na luta pelos interesses do outro, o empenho no bem
estar do próximo e a compreensão dos diferentes. Solidariedade é
cooperação, corporativismo, é ser voluntário. Por isso, eu tenho a sorte de ser
otimista. Apesar de tudo, tenho razões para ser solidário e crer que a
solidariedade não acabou. Primeiro porque vejo solidariedade em pequenos
grupos, muitos dos quais excluídos da sociedade. Os grupos pequenos de pessoas
com os mesmos problemas em geral são solidários uns com os outros porque sabem
o que o outro passa na própria pele. Eu vejo uma disponibilidade muito grande entre
eles de se ajudarem uns aos outros, se apoiando mutuamente. Essa solidariedade
de pequenos grupos é fruto de amizade, de companheirismo entre pessoas que tem
problemas comuns muito fortes. Essa amizade surge naturalmente. Segundo porque
vejo que muitos homens historicamente se empenharam ao longo dos anos, muitas
vezes com enormes sacrifícios pessoais na luta pelos direitos dos cidadãos e
num caso mais geral, nos interesses da própria humanidade. Albert Eistein,
Niels Bohr e muitos outros se empenharam de forma decisiva a favor do uso
pacifico da energia nuclear, do desarmamento das grandes potências mundiais e
da paz entre as nações. A participação política de militantes como Martin
Luther King, ou o físico Andrei Sahkarov que pagou com a própria liberdade e da
sua família pela luta dos direitos do povo soviético à liberdade. Muita gente
hoje não se entrega, não para e isso muitas vezes custa caro. Muitos dos que
fazem campanha contra a guerra do golfo nos Estados Unidos tem o passaporte
confiscado. Terceiro porque eu acredito que cada ser humano deve estar a
serviço da humanidade. Na verdade, o papel mais fundamental do ser humano é
servir. Essa é a afirmação base da responsabilidade social. É muitas vezes mais
cômodo e confortante para nossa consciência acharmos que só o nosso trabalho se
justifica pelos benefícios que nos traz. Mas não nos preocupamos em benefícios
que podemos levar à humanidade. Por isso, qualquer ação solidária deve ser
incentivada, aplaudida e admirada. Há muitas coisas que podemos fazer para
melhorar um pouco a vida das pessoas que nos cercam. Um exemplo simples é o
chamado trote solidário, os calouros esse ano passaram pelo trote de ensinar
jovens carentes, levantar dinheiro nos faróis para instituições de ajuda, dar
aulas aos domingos de manhã em comunidades carentes. Esse movimento voluntário
de estudantes e professores é solidariedade. Eles perderam seu domingo de
manhã, o único dia para dormir um pouco mais, passear, enfim, foi uma manhã
perdida, mas com um ganho, um valor, que é ajudar pessoas. Isso não custa nada.
É só uma questão de vontade. E mais, eu acho que nós que trabalhamos, temos
emprego digno, não podemos, não temos o direito de virar as costas para as
questões sociais, principalmente no Brasil, onde fica evidente que apenas uma
elite privilegiada tem direito e acesso a uma vida digna. Por último, seria de
se esperar que com o desenvolvimento da tecnologia, da ciência em todas as suas
manifestações, se desenvolvesse também a compreensão entre os seres humanos.
Entretanto, a realidade tem nos mostrado que essa esperança pode não ser mais
do que uma utopia, já que muitas descobertas científicas têm sido feitas, mas a
insensibilidade, a destruição, o desprezo ao próximo, a miséria e a fome ainda
crescem e tendem a piorar ainda mais. Crianças morrem todos os dias nas tribos
indígenas de fome e desnutrição. Meninos e meninas menores carentes se
prostituem nas ruas, debaixo dos nossos olhos. Guerras matam milhões de
inocentes. Na África 64,4 da população vive em pobreza absoluta. Em Moçambique
100 mil pessoas morrem de AIDS por ano e estima-se que 1,5 milhões de pessoas
vivam com o vírus. São 273 mil órfãos no país. E ninguém faz nada. Mas já que
estou escrevendo sobre solidariedade e sou otimista por natureza, isso não deve
nos desanimar, pois vários exemplos do passado e do presente nos mostram que é
possível que o conhecimento traga uma melhor compreensão não só da natureza dos
fatos, mas acima de tudo, do próprio ser humano.
Encerro
com uma citação de La Bruyére, escritor francês em seu livro “Os caracteres”, onde ele diz o
seguinte: “Se é comum sermos vivamente tocados pelas coisas ruins, por que o
somos tão pouco pelas virtudes?”
Infelizmente
esse artigo que deveria ser um caminho para obtermos respostas, acabou por
trazer novas questões.
A
resposta está em você agora.
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